
Educação pública em risco
A presidenta Dilma Rousseff sancionou, no último dia 11, o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, legislação que regula a relação entre agentes públicos e privados que constituem o sistema de ciência, tecnologia e inovação. O novo marco permite a transferência de recursos, estrutura, propriedade intelectual e pessoal de instituições públicas para uso na iniciativa privada, o que afetará diretamente as universidades públicas e os centros de pesquisa.
Para o coordenador de Políticas Educacionais do SINASEFE-IFBA e membro da Direção Nacional do SINASEFE, Ronaldo Naziazeno, o novo marco permite que o(a) profissional, mesmo sendo de Dedicação Exclusiva (DE), atue na iniciativa privada, o que é totalmente contraditório. “Com isso, há a quebra da isonomia de um padrão salarial, e é importante frisar que ganhamos para fazer ensino, pesquisa e extensão. Um outro ponto importante é que há uma agenda privada para o desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil. Ou seja, ao permitir que o(a) profissional, mesmo em DE, tenha a sua jornada de trabalho significativamente realizada na iniciativa privada, bem como o padrão de rendimentos diferenciado entre o(a)s docentes que atuarão na iniciativa privada e o(a)s que não poderão atuar nesses marcos (áreas de Humanas e Artes, por exemplo), são fatores que fazem com que essa lei seja privatizante e extremamente nociva para o Brasil”, avalia Naziazeno.
Na avaliação do professor de Administração do IFBA Simões Filho e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia, Luís Augusto Lopes, em nome de um desenvolvimentismo que é pouco questionado por entes governamentais, de uma competitividade que só serve para reafirmar os cânones do capitalismo, de uma pretensa redução de desigualdades sociais e regionais, e de uma redução da burocracia, criada pelo próprio Governo, o novo código reafirma em seu espírito elementos que já estavam presentes no neoliberalismo e na concepção de Estado preconizada pelo Banco Mundial desde os anos 90, quais sejam, descentralização, redução do Estado, privatização, parcerias-público privadas, onde o segundo pauta a ação do primeiro.
“Não custa lembrar que o autor do projeto é o deputado Bruno Araújo, do PSDB-PE, o mesmo partido que busca o impeachment da presidente. Para mim, na prática, tanto Governo como a oposição convergem para um mesmo ideário e disputam para ver quem vai galgar mais degraus na escala neoliberal. Educação, saúde e assistência social no Brasil já funcionam nestas bases com resultados cada vez mais catastróficos, visto que cada vez mais o Estado está se desobrigando a agir nestas áreas e promove uma privatização, vias entidades não governamentais ou uma terceirização crescente”, destaca Lopes.
O professor cita que, no ano passado, em meio aos protestos contra a PL 4.330, que criava a terceirização sem limites, o STF, através do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.923, disse que estas contratações via OSs são legais e não ferem a Constituição. “Não creio que o quadro futuro da Ciência e Tecnologia será muito diferente do que já vemos nestes setores”, sinaliza Lopes.
Ele lembra que, como o quadro de emprego no Brasil é precário e, ainda, um dos poucos lugares que oferece segurança é o setor público, cria-se um quadro problemático. “São servidore(a)s público(a)s, em parte oriundo(a)s de classe média, em sua grande maioria conservadora e neoliberal, egresso(a)s de uma universidade pautada pelo neopositivismo que, de repente, se veem na contingência de lutar contra valores que foram construídos ao longo de anos para que ele(a)s mesmo(a)s não venham a sucumbir. É uma luta contínua dentro e fora do trabalho, que promova espaços de debates, educação libertária e construção de outros valores, de outro mundo além deste que aí está posto”, anseia o especialista.
Futuro das instituições federais de ensino
Ainda segundo o mestre em Ciências Sociais, os governos brasileiros têm como estratégia a médio e longo prazo a privatização das universidades públicas brasileiras, já que esta era a recomendação do Banco Mundial desde a ditadura militar. Ele conta que, nos anos FHC, houve uma tentativa de desmonte pelo sucateamento das instituições federais e fomento ao ensino privado. Embora os recursos tenham aumentado e novas universidades tenham sido abertas nos governos do PT, há uma crescente precarização das condições de trabalho e ensino, principalmente nas instituições e campi mais novos.
“As situações de conflito entre as instituições públicas e as chamadas fundações de apoio vêm desde os anos 90. Houve vários questionamentos dos Tribunais de Contas e, inclusive, o Cefet-BA, antecessor do IFBA, teve um sério problema com sua fundação de apoio. Ao invés de promover um amplo debate que parta da concepção de Ciência, Tecnologia e Sociedade que se deseja para o Brasil, para, a partir de então, pensar-se a pesquisa, o governo institucionaliza a universidade a serviço da iniciativa privada e dos interesses do capital, como se estes fossem inquestionáveis e perfeitos. Na prática, o desmonte fomentado pelos governos de FHC não funcionou muito porque as instituições privadas, com raríssimas exceções, não investem em pesquisa. Então, era necessário manter a universidade pública para não destruir totalmente esta área, mas a sanha privatizante não foge de cena. Como as empresas brasileiras também não têm tradição de investimento em pesquisa, elas terão a seu dispor toda a estrutura pública de pesquisa, que deveria ser colocada a serviço de toda a sociedade e não de parte dela”, critica.
Como consequência, Lopes vê um conflito maior entre os interesses da instituição e da população que ela atende e interesses particulares de empresas e pesquisadore(a)s seduzido(a)s pela possibilidade de ganhos maiores. Para ele, este também será um fator de enfraquecimento na luta por melhorias de salários e condições de ensino e trabalho, já que uma parte do quadro não se disporá a lutar porque parte do seu salário virá de outras instituições e ele(a)s tem que trabalhar para apresentar resultados para seu/sua outro(a) patrão/patroa, não se lembrando que seus vínculos principais são com as instituições públicas, e que ele(a)s estão utilizando recursos públicos. “Se isto hoje já acontece, creio que haverá um aumento desta tendência”, finaliza.