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IFBA descumpre leis que obrigam o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena

jul 05 2017
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O IFBA tem descumprido sumariamente as leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que inseriram o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena, respectivamente, sobretudo nas disciplinas de Artes, Literatura e História. Desde 2003, as escolas devem oferecer esses conteúdos para todos os anos. O objetivo do Governo Federal é disseminar uma política de combate ao racismo, cabendo a todos(as) os(as) educadores(as) colaborar com esse trabalho.

“É evidente que a escola cumpre o papel de formação cidadã. Uma vez que não o faz, que abdica da reflexão crítica entorno do racismo, abre espaço para a emergência de pensamentos racistas em nossa sociedade. No IFBA não há uma política institucional, há educadores(as) sensíveis à causa e a legislação que tem feito atividades de relevo para as suas comunidades. Contudo, falta uma política institucional. Há campus que a própria semana de consciência negra, preconizada na lei pelo 20 de novembro, simplesmente não ocorre ou ocorre sem constância no calendário letivo. As razões da não institucionalização de uma política da educação das relações étnico-raciais está na falta de debate educacional de forma geral. Não há protagonismo da educação, do ensino, da reflexão pedagógica e, por consequência, o debate racial que subjaz a esta questão fica comprometida”, avalia o professor de História do Campus Valença, Erahsto Felício.

A professora de História do Campus Eunápolis, Flaviane Nascimento, concorda com o colega e alerta que, há algum tempo, o Instituto tem sido questionado pelo Ministério Público Federal sobre o não cumprimento da Lei 11.645/2008 e a resposta da entidade se restringe a apontar ações e projetos individuais de docentes como demonstração de cumprimento de uma normativa que deveria alterar os Projetos Políticos de Curso (PPC) e seus respectivos currículos. “O que temos visto da gestão do IFBA são justificativas que tomam ações individuais e circunstanciais, como eventos de consciência negra, por exemplo, como evidências do cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), mas são resultantes de esforços de colegas que têm um compromisso político com determinados sujeitos e com a temática, que vão além de uma mera resposta legal, fato que precisa ser denunciado. Temos feito esse debate e denúncia em Eunápolis há algum tempo. Em 2015, os(as) docentes da área de Ciências Humanas, frequentemente responsabilizados(as) pela realização de um evento em novembro (mês da consciência negra), se negaram a continuar pactuando com essa dissimulação do cumprimento da Lei e escreveram um documento justificando tal ação, bem como fez essa discussão junto aos/às estudantes que, naquele ano, assumiram a realização do evento com tema ‘Precisamos denegrir o IFBA, Eunápolis’, quando discutiram a omissão institucional no cumprimento dessa obrigatoriedade”, lembra Flaviane.

Ela ressalta que é preciso dizer que o IFBA continua justificando o não cumprimento efetivo das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 como se elas fossem exigências recentes, mas a instituição está numa defasagem de pelo menos 14 anos, o que é injustificável. “O que é mais absurdo é que temos feito um debate legalista, sobre a necessidade do cumprimento de normativas, quando o debate deveria ser sobre o compromisso do IFBA em formar pessoas, sobre o compromisso do IFBA em ofertar educação de qualidade, de respeito à diversidade, intercultural, que se pretenda honesta com a produção e difusão de saberes, que seja capaz de refletir sobre a colonização dos saberes e ‘os perigos de uma história única’, como bem nos alertou Chimamanda Adiche”, revolta-se a docente.

Para Erahsto Felício, é preciso, primeiro, informar ao Ministério Público Federal que a resposta dada pelo instituto a este órgão é, no mínimo, equívoca e ambígua. “O IFBA diz que parou as reformas dos cursos integrados com a publicação do novo ensino médio pelo Governo Federal, contudo sabemos que, em Valença, permanece sendo reformada e, o pior, sem uma comissão, um congresso, uma ação pedagógica que discuta os temas relativos às leis supracitadas. Ou seja, corre-se o risco que haver mais uma reforma em que a lei só seja indicada para cumprimento, mas sem metas reais de enfrentamento racial e inserção dos conteúdos que corresponde à lei”, adverte o docente.

Perdas

A professora de História diz que a incorporação desses sujeitos (negros africanos e afro-brasileiros e indígenas), suas histórias e culturas impacta diretamente na construção de representações de identidades. “Trata-se, pois, de nos impor – tendo em vista que é uma obrigatoriedade! – uma reflexão sobre como noções de saber, conhecimento e ciência, bem como de currículos que, eurocentrados, estão, necessariamente, conectados com a (re)produção de estereótipos e representações identitárias negativas e positivas, inferiores e superiores que dão lastro à (re)produção de hierarquias sócio-raciais. Agora, imagine o quanto essa obrigatoriedade é necessária se pensarmos a trajetória de violência sobre os povos indígenas e negros na formação do estado brasileiro? É preciso (re)conhecer outras histórias, outras versões, outros sujeitos. Trata-se, portanto, de buscar subverter uma certa ordem discursiva hegemônica que se materializa política e economicamente. Os nossos currículos, de modo geral, nos permitem, por vezes, um contato com alteridades, feito a partir de representações reducionistas, simplificadoras, quando não equivocadas, sobre o outro, leia-se o não-europeu, notadamente. Assim, essa história tem sido utilizada para expropriar, violentar, subalternizar e matar, mas pode ser usada para humanizar, empoderar, subverter essa ordem! É por isso que outras histórias importam e a obrigatoriedade prevista na LDB nos permite essas reflexões, mas talvez seja justamente por isso que, depois de 14 anos, ainda estejamos falando de implementação”, aponta Flaviane.

Para ela, o IFBA precisa de vontade, de uma gestão verdadeiramente preocupada com uma educação de qualidade e libertadora, que possibilite outras narrativas, outras histórias: “história do povo preto, dos povos indígenas, quilombolas, dos homossexuais, lésbicas, transexuais, transgêneros, intersexuais, queer, enfim, das minorias e dos grupos e comunidades minoritarizados historicamente”. No entanto, na visão da docente, a gestão do IFBA faz apologia a uma suposta necessidade do Instituto se adequar à reforma do ensino médio, imposta pelo Governo Federal, que tem preconizado uma educação tecnicista, quando prevê a exclusão de disciplinas como Filosofia, Sociologia, Artes, Educação Física e Espanhol, que, historicamente, têm sido pontos de inflexão dentro desses currículos eurocentrados.

“Portanto, se o IFBA não cumpre efetivamente a legislação, o que observo é que a nossa instituição dá sinais de que continuará a não fazê-lo. Precisamos reunir a comunidade, inclusive extra-muros, denunciar esse descumprimento e construir mecanismos de pressão para forçar o cumprimento efetivo do ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e dos povos indígenas, bem como uma reforma do ensino médio que não compactue com os anseios do governo ilegítimo. Precisamos não só denegrir o IFBA, mas pintá-lo de todas as cores!”, finaliza a professora.

 

Imagem: Reprodução

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