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Interesses capitalistas geram perseguição no IFC

out 10 2017
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Os tempos sombrios também chegaram ao Instituto Federal Catarinense (IFC). Os professores do Campus Abelardo Luz, Ricardo Velho e Maicon Fontaine, estão sendo investigados, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), por “imposição ideológica e política” e “ingerência na gestão”. Eles tiveram os computadores e celulares apreendidos e foram afastados dos cargos.

O MPF alega que houve “diversas irregularidades no campus envolvendo a participação de integrantes do MST e a intensa imposição de ideologia política dentro do Instituto”. Como somos um sindicato classista e democrático e somos contra perseguições, entrevistamos o professor e diretor afastado do campus avançado Abelardo Luz, Ricardo Velho*, para apurar o que realmente está acontecendo.

SINASEFE-IFBA – O que está acontecendo com você no IFC?

Ricardo Velho – Eu estava à frente da gestão do campus avançado desde agosto de 2016. O campus está localizado numa região de assentamentos da reforma agrária, com estudantes de ensino técnico e superior. A articulação com a comunidade local ocorreu por meio de diversas audiências públicas, um mecanismo democrático e transparente de apresentar as demandas da comunidade para o IFC. O que ocorreu foi uma série de denúncias que visam atingir a existência do campus na área agrícola do município, pois os setores econômicos dominantes da região, vinculados ao agronegócio, pretendem transferir o campus para a região urbana. Inclusive, isso gerou uma carta das grandes empresas localizadas em Abelardo ao MEC, e do gabinete do ministro recebemos uma “sugestão” de abertura de cursos de agronomia e engenharia de alimentos, não na perspectiva da agroecologia, como vinha se trabalhando. Ao tal ofício do MEC respondemos que essas reivindicações dos setores econômicos dominantes poderiam somar forças e ampliar o atendimento dos(as) estudantes urbanos(as), desde que o MEC realizasse investimentos nas estruturas pré-existentes na área agrícola, pois as ciências agrárias devem estar vinculadas aos arranjos produtivos locais, ou seja, às imensas áreas de assentamento do entorno.

SINASEFE-IFBA – Por que o MPF te acusa de “ingerência na gestão” e de “imposição ideológica e política” no instituto?

Ricardo Velho – Por coerência institucional, o IFC sempre buscou as organizações, instituições e movimentos sociais da região, e isso inclui o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). No entanto, muito além disso, as lideranças políticas e sociais sempre estiveram presentes no processo de criação do campus. Várias reuniões e audiências foram realizadas até que, em 2015, a portaria de criação do campus se efetivasse. A tal “ingerência”, na verdade, é caracterizada pela participação efetiva do MST, por meio de suas lutas, na audiência com a Presidência da República, reivindicando o campus. O pleito foi assimilado pelo gabinete da Presidência e efetivado pelo MEC e IFC. A história do campus é essa, o MST teve participação fundamental na criação do campus na área de assentamentos. As acusações, portanto, são uma tentativa de negar a história, bem ao gosto dos autoritarismos em diversos cantos do mundo. Infelizmente, alguns/algumas professores(as) embarcaram na onda conservadora e preconceituosa contra os movimentos sociais e realizaram depoimentos ao MPF com inúmeras inverdades, o que deu guarida a interpretações diferentes da realidade. As denúncias, em sua totalidade, são fundamentadas em informações parciais, mentirosas e mal-intencionadas. Também, infelizmente, o Poder Judiciário está permeado por interesses não republicanos, crivados de convicções sem provas.

SINASEFE-IFBA – Qual o motivo dessa perseguição depois de anos de existência do Campus e da relação pública dele com o MST?

Ricardo Velho – Os setores econômicos hegemônicos da região têm muito interesse em espoliar os lotes de assentamentos rurais. Com a nova lei de titulações, todos(as) os(as) assentados(as) poderão alienar seus lotes às instituições financeiras, a fim de buscar recursos. Essa alteração da legislação sobre a questão agrária brasileira levará, inevitavelmente, a uma concentração de terras. Quem terá a possibilidade de comprar terras serão os(as) grandes proprietários(as). Em decorrência disso, a região dos assentamentos é uma “mina de ouro”, pois, na medida em que o IFC dê condições aos/às assentados(as) e filhos(as) de assentados(as) de produzir mais e melhor, esses setores econômicos perdem essa “janela de oportunidades” para concentrar terras. O IFC é uma pedra do sapato dos(as) graúdos(as) da região.

SINASEFE-IFBA – Como você avalia essa situação? 

Ricardo Velho – O momento político mundial é muito sui generis. Temos uma onda conservadora que é explicada pelo momento do ciclo econômico de crise mundial. A necessidade do capital é de arrebentar os direitos dos(as) trabalhadores(as) para poder retomar suas taxas de lucro. O sentimento que tenho é o de vivenciar o que cada trabalhador(a) passa cotidianamente nas fábricas, nas fazendas, nas lojas, etc. Isso significa que a perseguição que eu e Maicon estamos passando é apenas mais uma expressão da perseguição dos(as) que se colocam ao lado dos(as) explorados(as) e oprimidos(as). Em todos os cantos do mundo, os(as) que impõem resistência ao domínio dos interesses mesquinhos e individualistas são atacados(as) e perseguidos(as). Em Abelardo Luz, a história de repressão, perseguição, assassinatos é muito presente, pois as classes dominantes ainda têm a mentalidade coronelista.

SINASEFE-IFBA – Em que fase está esse processo agora? 

Ricardo Velho – O processo está na fase de inquérito, ou seja, a busca e apreensão dos equipamentos eletrônicos é uma tentativa de encontrar provas contra nós e incriminar os movimentos sociais envolvidos na construção do campus. Eu e Maicon estamos afastados do campus de Abelardo Luz, e por ordem da juíza fomos exonerados das funções de gestão e devolvidos ao campus de origem, em Rio do Sul.

SINASEFE-IFBA – Como você explica essa cultura de perseguição política e de menosprezo aos/às menos favorecidos(as) economicamente, no caso os povos do campo?

Ricardo Velho – A cultura do ódio está impregnada nas relações atuais de poder, pois a perspectiva maniqueísta, que divide o mundo entre o bem e o mal, tem se alastrado como método de interpretação do mundo. Portanto, esse método é usado para combater todos os setores que se opõem aos desmandos dos “donos do poder”. Assim, se recoloca a questão da resistência ao modelo dominante, como o que explica a perseguição e os ataques aos movimentos sociais e aos/às trabalhadores(as) envolvidos(as) na construção de uma perspectiva emancipatória do mundo. As formas de organização e de “empoderamento” dos setores sociais excluídos são perigosas sob os olhos dos “donos do poder”. Desta maneira, o aniquilamento da resistência é uma necessidade desses agrupamentos.

SINASEFE-IFBA – O que você e o seu colega que está sendo perseguido pretendem fazer?

Ricardo Velho – Nosso posicionamento tem se mantido coerente com a nossa história de compromisso com os(as) trabalhadores(as) do campo e da cidade, com a construção de uma escola que tenha sentido social para os(as) excluídos(as) historicamente das políticas públicas. Dessa forma, eu e Maicon continuamos a trabalhar no IFC e em inúmeros projetos com movimentos sociais, com a intenção de fazer valer a missão da educação, qual seja de socializar conhecimentos civilizatórios para que a classe trabalhadora possa acessar a cultura humana disponível e que, por enquanto, está concentrada nas altas camadas da sociedade.

SINASEFE-IFBA – Qual mensagem você deixa para quem necessita lutar, mas está com medo de ser criminalizado(a)?

Ricardo Velho – Os(as) que lutam sabem que só temos uma alternativa: continuar lutando! Os(as) que estão pensando em lutar não têm alternativa, a realidade os(as) levará a lutar. A lógica capitalista é destruidora, por este motivo a sobrevivência humana depende de uma mudança profunda da dinâmica sóciometabólica. Portanto, o futuro do planeta com a presença do ser humano nele é diretamente vinculado à superação da ordem capitalista.

O crime é a justificativa dos(as) que dominam, todavia, a superação das relações autoritárias é um ato de justiça, mesmo que fora da lei.

Seguimos em luta. Até a vitória final.

*Graduado em Ciências Sociais, Mestre em Sociologia Política e Doutor em Educação

 

Imagem: Reprodução

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